Reputação corporativa, prevenção de crise e o papel do CEO

Com Ana Flavia Bello, CEO da CoSafe LATAM

Já não é mais novidade que a reputação de uma empresa é considerada um dos mais importantes indicadores para a saúde futura dos negócios. No longo prazo, é como se ela  garantisse uma espécie de “permissão da sociedade” para que uma empresa continue operando, mesmo nos piores cenários de crise. 

Em ambiente digital dominado pelas redes sociais, a imagem de uma empresa no pensamento das pessoas é cada vez mais influenciada pela opinião pública, que agora é formada a partir de uma  seletividade de informações proporcionada pela indústria do algoritmo. 

A questão se torna ainda mais complexa quando consideramos a comunicação específica de executivos do C-level, que costumam ser os porta-vozes preferidos dos veículos de imprensa e figuras essenciais para o fortalecimento de uma marca. Isso porque existe uma associação entre a imagem das empresas e de suas lideranças que inspira cuidados.

Para conversar sobre este tema, nós convidamos a Ana Flavia Bello, CEO da startup CoSafe LATAM, maior hub especializado em gestão de crises do Brasil. Com vasta experiência em consultorias e palestras sobre gerenciamento de crises e passagens por posições de liderança em diversas indústrias dos segmentos de bebidas, cosméticos e varejo farmacêutico, Ana compartilhou com o Intelligence Review um pouco do seu conhecimento na área em entrevista que você acompanha a seguir.

 

IR: Você considera que a reputação de um líder interfere na reputação da companhia que ele lidera?

Ana Flavia: Sem dúvida, o que este líder fala e faz, dentro e fora da companhia, acaba influenciando na reputação da organização. O líder tem um papel fundamental, visto que é ele quem direciona de forma estratégica a fala de uma organização. Nele espelham-se os comportamentos dentro da empresa e estão os holofotes das redes sociais e da imprensa tradicional. Também é com ele que os acionistas contam para manter os negócios em alta.  Então eu diria que a reputação pessoal do líder interfere na corporativa e vice-versa. 

 

IR:  De que maneira, então, o posicionamento de um executivo influencia a reputação de uma empresa?

Ana Flavia: Todo colaborador hoje em dia é informalmente um porta voz de sua organização, para o bem e para o mal. As redes sociais deram voz aos funcionários, que ajudam atualmente a divulgar produtos e serviços das empresas para as quais prestam serviços, além de contribuírem para o “employer branding”. Por outro lado, o risco de comunicações desalinhadas aos valores da empresa aumentou muito com esta pulverização de porta- vozes. 

Neste contexto, a alta liderança não é mais a única a poder influenciar a reputação de uma empresa, contudo, tem um papel muito importante. Quando uma crise surge a partir de uma conduta ou fala inapropriada de um executivo de alta liderança, os impactos tendem a ser maiores, o que torna mais difícil a recuperação da imagem arranhada. Isso aconteceu em um caso de denúncia de assédio amplamente divulgado pela mídia, que culminou na demissão da liderança máxima de uma instituição financeira 

Por outro lado, um líder inspirador, admirado pelos stakeholders, que promove ações positivas dentro e fora da organização, em linha com as expectativas da sociedade, seguramente contribui muito para uma boa reputação da organização a qual representa.

 

IR: Levando em consideração o cenário atual extremamente polarizado e fragmentado por bolhas de influência, como o trabalho de preservação da imagem de um CEO pode contribuir para a prevenção de crises corporativas e fortalecimento da reputação de uma empresa?

Ana Flavia: Na era digital, considerando o cenário exposto, os riscos de imagem são cada vez mais abrangentes e iminentes. A blindagem da imagem do CEO por meio de um trabalho estruturado de preparação e acompanhamento constante é um passo muito importante para mitigar crises. 

No entanto, não existe risco zero e, este mesmo CEO, assim como a equipe de crises da organização, precisam estar preparados para responder, quando necessário, a eventuais incidentes críticos, com objetivo de reduzir o impacto negativo.

Neste caso, o posicionamento de líderes e corporações diante de temas sensíveis deve ser ancorado nos valores da organização. Mas é claro que é sempre importante considerar e entender cada grupo de interesse, suas percepções sobre o tema e tomar uma decisão de posicionamento já se preparando para eventuais impactos negativos e respostas da sociedade.

 

IR: Você diria que crises de liderança também são, necessariamente, crises para as empresas que essas figuras lideram?

Ana Flavia: Se entendemos que se trata de uma crise corporativa, caracterizada, por conceito, por eventos que impactam negativamente de forma relevante a empresa, elas estão interligadas. 

E mesmo crises essencialmente pessoais destes líderes podem afetar a imagem e reputação da organização, como, por exemplo, casos de violência familiar, imprudência no trânsito causando acidentes e etc.

 

IR: Na sua opinião, é o CEO quem deve conduzir os trabalhos em uma situação de gerenciamento de crise corporativa?

Ana Flavia: O CEO pode ou não liderar o gerenciamento da crise. Muitas vezes, outra pessoa da alta liderança comanda a resposta e o CEO é preservado, conduzindo a operação da empresa, que não pode parar.

A depender do nível de impacto da crise, no entanto, é fundamental que a figura que se apresente à frente da crise seja o CEO, como, por exemplo, em casos de  acidente grave com óbitos.

 

IR: Como a polarização política e o surgimento das bolhas de informação podem impactar a reputação das empresas e seus líderes?

Ana Flavia: Ao contrário do que era recomendado até um passado recente, que as empresas e seus líderes não se envolvessem com temas polêmicos como política, atualmente a cobrança da sociedade é no sentido oposto.

Cobra-se das empresas e de seus líderes posicionamentos de toda sorte em relação a temas sociais, ambientais e políticos. Há que se ter muito cuidado, no entanto, com o possível impacto de falas polêmicas junto a todos os stakeholders da organização, pensando sempre que estas falas precisam estar coerentes com os valores da organização e não devem prejudicar o negócio.

Antes de entrar em debates políticos, recomenda-se um mapeamento da situação, elaboração de cenários prevendo impactos, reações e definição de estratégias a partir destes cenários reativos. Um exemplo recente aconteceu com a liderança de uma grande empresa, cujo discurso posicionando-se em defesa de uma instituição que se encontra no centro de um acalorado debate político, gerou ampla repercussão. Não há espaço para improviso neste campo.

 

IR: Como conscientizar o C-level das empresas sobre a importância de investir em prevenção de crise e gestão da reputação?

Ana Flavia: Aprende-se pelo amor ou pela dor. No Brasil normalmente tem sido pela dor. As perdas diante de uma crise mal administrada são o que mais impulsionam hoje em dia a maior parte dos líderes a investir em preparação para Gestão de Crises e Gestão de Reputação. Não obstante, temos visto uma mudança neste cenário pós-pandemia, felizmente. Tem sido crescente a procura de empresas por consultorias e treinamentos em Gestão de Crise, além de tecnologia para agilizar o tempo de resposta e integrar todas as tratativas pós-crise, de forma a reduzir os impactos negativos e ter uma recuperação sustentada.

 


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